O
que é a BSE e qual é a natureza do agente
infeccioso?
É
uma enfermidade neuro-degenerativa fatal que afeta os
bovinos. O período de incubação é longo, em média
quatro a cinco anos, porém muito variável. A doença foi
diagnosticada pela primeira vez no Reino Unido, em 1986. O
diagnóstico clínico deve ser confirmado através de exame
histopatológico do cérebro de animais que morreram com
suspeita de BSE. Recentemente começaram a ser utilizados
testes de ELISA para detectar o agente infeccioso no
cérebro de bovinos, poucos meses antes do início dos
sinais clínicos. Não existe qualquer teste de diagnóstico
in vivo. A BSE pertence a um grupo de doenças conhecidas
como Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis (TSEs),
assim denominadas em virtude do tipo de lesão histológica
que causam no cérebro. Algumas das TSEs incluem: ·
-
Scrapie,
ou paraplexia enzoótica dos ovinos, que afeta ovinos e
caprinos, encontra-se presente em muitos países e é
conhecida há mais de 200 anos; ·
-
Doença
de Creutzfeldt-Jakob (CJD) que afeta o homem, em geral
pacientes idosos, tem distribuição mundial, com
incidência anual de aproximadamente um caso por
milhão, e ocorre em três formas: Esporádica -
responsável por 85-90% dos casos; Familiar - associada
a mutações genéticas, representa 5-10% dos casos;
Iatrogênica - responsável por menos de 5% dos casos.
·
-
Nova
variante da CJD (vCJD), que em contraste com as formas
tradicionais de CJD afeta pacientes jovens. Existem
fortes evidências de que a vCJD resulta do consumo de
produtos de bovinos infectados com BSE.
A
natureza do agente infeccioso da BSE, assim como das outras
TSEs, é ainda motivo de controvérsia. A teoria mais aceita
postula que o agente infeccioso, denominado Prion, deriva de
uma proteína da membrana celular sensível à protease (PrPc).
Segundo esta teoria, a PrPc sofreria uma mudança de
conformação, formando um tipo insolúvel e patogênico de
Prion (PrPsc). Por sua vez, a proteína PrPsc induziria a
transformação de mais proteínas normais em formas
anormais, iniciando uma reação em cadeia que aumentaria de
forma exponencial a produção de PrPsc. Não está
totalmente esclarecido o mecanismo pelo qual a proteína
anormal produz as alterações patológicas no cérebro dos
indivíduos ou animais afetados.
Esta
teoria possui uma fragilidade; são conhecidas várias
formas de scrapie, caracterizadas por diferentes períodos
de incubação, sinais clínicos e patologia, o que é mais
consistente com a teoria de que estas enfermidades seriam
causadas por um agente infeccioso do tipo viral.
Como
surgiu e propagou-se a BSE?
Os
primeiros casos de BSE foram diagnosticados no Reino Unido,
em 1986. No final de 1987, o Departamento de Epidemiologia
do Laboratório Veterinário Central daquele país
identificou que a disseminação da doença na população
bovina ocorria através do consumo de farinha de carne e
ossos, obtida a partir de carcaças de animais contaminados
e incorporada à ração dos bovinos. Essa teoria foi
plenamente confirmada, uma vez que a proibição do uso
daquele produto na alimentação de ruminantes teve efeito
claro, resultando em redução acentuada do número de novos
casos de BSE. Outras formas de disseminação não foram
plenamente demonstradas mas não podem ser descartadas, como
por exemplo a transmissão vertical da vaca ao bezerro. No
entanto, sabe-se que a epidemia de BSE não teria ocorrido
se não ocorresse disseminação através da farinha de
carne e ossos. Assim sendo, se um bovino contaminado for
introduzido num país, ou região, onde não existe BSE, só
poderá ocorrer uma epidemia caso a carcaça desse animal
seja utilizada para produzir farinha destinada à
alimentação de ruminantes, os quais por sua vez entrariam
também na cadeia alimentar de ruminantes, gerando um
sistema de disseminação e amplificação do agente
infeccioso na população animal.
Após
o início da epidemia no Reino Unido, surgiu a teoria de que
os primeiros casos de BSE teriam resultado da utilização
de carcaças de ovinos contaminados com scrapie na
alimentação de bovinos e que uma mudança no processo
industrial de produção de farinha de carne e ossos teria
diminuído a probabilidade de inativação do agente
infeccioso. Entretanto, foram surgindo evidências de que a
BSE e a scrapie são doenças distintas, embora pertencentes
ao mesmo grupo de enfermidades. Neste sentido, cabe destacar
que: ·
-
A
scrapie inoculada experimentalmente em bovinos produz
uma doença diferente da BSE; ·
-
A
BSE manteve suas características durante toda a
epidemia, mesmo quando atravessa a barreira de espécie
(transmissão a outra espécie animal), o que não
acontece com a scrapie; ·
-
Não
existe até hoje suspeita de que a scrapie possa
contaminar o ser humano.
Os
relatórios técnico-científicos mais recentes indicam que
os casos de BSE diagnosticados a partir de 1986 não terão
sido os primeiros casos da doença, que provavelmente já
existia no Reino Unido anteriormente. Alguns veterinários
britânicos alegam terem visto casos semelhantes antes de
1986, na época diagnosticados como doenças metabólicas
comuns em vacas de alta produção. A teoria de que a
mudança no processo industrial de farinha de carne e ossos
foi responsável pela reciclagem do agente infeccioso
também está sendo posta em causa, uma vez que têm
aumentado as evidências de que nenhum dos processos
utilizados seria capaz de inativar os agentes causadores das
TSE's.
Evolução
do número de casos de BSE no Mundo
A
grande maioria dos casos de BSE foram diagnosticados no
Reino Unido. São apresentados em seguida os dados relativos
à notificação de BSE, conforme informado pela
Organização Internacional de Epizootias (OIE).
Número
de casos de BSE diagnosticados no Reino Unido até outubro
de 2000
O
gráfico anterior mostra claramente que a curva epidêmica
inverteu a tendência de crescimento a partir de 1992/1993.
O pico de infecção teria ocorrido em 1986-1988. A
proibição do uso de farinha de carne e ossos de ruminantes
na alimentação de ruminantes foi decretada em julho de
1988, tendo contribuído para inverter a rapidamente a curva
epidêmica, após decorrido o tempo equivalente a um
período de incubação.
Número
de casos de BSE no mundo (excluindo Reino Unido) até
dezembro de 2000.
|
BE |
DI |
FR |
AL |
IR |
IT |
LI |
LU |
HO |
PT |
ES |
SU |
1989 |
0 |
0 |
0 |
0 |
15 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
1990 |
0 |
0 |
0 |
0 |
14 |
0 |
0 |
0 |
0 |
1
(a) |
0 |
2 |
1991 |
0 |
0 |
5 |
0 |
17 |
0 |
0 |
0 |
0 |
1
(a) |
0 |
8 |
1992 |
0 |
1
(a) |
0 |
1
(a) |
18 |
0 |
0 |
0 |
0 |
1
(a) |
0 |
15 |
1993 |
0 |
0 |
1 |
0 |
16 |
0 |
0 |
0 |
0 |
3
(a) |
0 |
29 |
1994 |
0 |
0 |
4 |
3
(a) |
19 |
1
(a) |
0 |
0 |
0 |
12 |
0 |
64 |
1995 |
0 |
0 |
3 |
0 |
16 |
0 |
0 |
0 |
0 |
14 |
0 |
68 |
1996 |
0 |
0 |
12 |
0 |
73 |
0 |
0 |
0 |
0 |
29 |
0 |
45 |
1997 |
1 |
0 |
6 |
2
(a) |
80 |
0 |
0 |
1 |
2 |
30 |
0 |
38 |
1998 |
6 |
0 |
18 |
0 |
83 |
0 |
2 |
0 |
2 |
106 |
0 |
14 |
1999 |
3 |
0 |
31 |
0 |
91 |
0 |
|
0 |
2 |
170 |
0 |
50 |
2000 |
9 |
1 |
138
(b) |
7 |
145 |
0 |
|
0 |
2 |
142 |
2 |
33
(b) |
(a)
apenas casos em animais importados.
(b)
FR - 87 casos clínicos + 51 casos detectados em ações de
pesquisa; SU - 16 casos clínicos + 16 casos detectados em
ações de pesquisa.
(BE
= Bélgica; DI = Dinamarca; FR = França; AL = Alemanha; IR
= Irlanda; IT = Itália; LI = Liechtenstein; LU =
Luxemburgo; HO = Holanda; PT = Portugal; ES = Espanha; SU =
Suíça)
Já
foram detectados casos de BSE fora da Europa, porém sempre
em animais importados. Em 1989, diagnosticou-se um caso nas
Ilhas Malvinas e dois casos no Oman. Em 1993, foi detectado
um caso no Canadá.
O
risco para a saúde pública - relação entre a BSE e a
vCJD
A
vCJD foi reconhecida em 1996, no Reino Unido, mas os
sintomas do primeiro paciente que desenvolveu a nova doença
apareceram em 1994. Desde então, essa nova variante da CJD
foi associada à epidemia de BSE que afetava a população
de bovinos do mesmo país. Esta teoria é fundamentada em
evidências epidemiológicas e mais recentemente em estudos
experimentais. O reconhecimento de que a BSE poderia se
transmitir ao homem, criou, a partir de 1996, uma reação
de pânico na população Britânica que posteriormente
afetou também a Europa continental. Inevitavelmente, o
consumo de carne bovina sofreu queda acentuada, o que causa
prejuízos não só aos produtores pecuários Europeus mas
também aos países que exportam carne bovina para aquele
continente. Considera-se que o cérebro e a medula espinhal
de bovinos infectados são os tecidos mais infecciosos. O
agente causador da doença nunca foi detectado no tecido
muscular de bovinos nem no leite.
Segundo
a Organização Mundial de Saúde (OMS), até o início de
dezembro de 2000 foram confirmados 87 casos de vCJD no Reino
Unido, 3 casos na França e um caso na República da
Irlanda. A OMS indica que a idade média das vitimas desta
doença é de 29 anos, contrastando com a média de 65 anos
das vitimas das formas tradicionais de CJD. A duração
média da vCJD é de 14 meses, enquanto que a CJD
tradicional dura em média 4,5 meses.
Como
o Brasil está protegido da BSE?
A
alimentação dos bovinos no Brasil é essencialmente
baseada em pastagens naturais ou cultivadas. Os suplementos
alimentares, quando utilizados, são de natureza vegetal.
Ainda assim, o Governo Brasileiro proibiu em 1996 o uso na
alimentação de ruminantes de proteína in natura e de
farinhas de carne e ossos provenientes de ruminantes. Não
está proibido o uso de proteína do leite nem osso
calcinado.
A
defesa sanitária animal no Brasil conta com um sistema de
vigilância que abrange todo o território nacional, sendo
alimentado por uma grande variedade de fontes de
informação, oficiais e privadas. Está composto por uma
rede de 2.229 unidades locais de atenção veterinária que
capta, recebe e processa as informações para, em seguida,
analisá-las e utilizá-las, bem como enviá-las aos demais
níveis hierárquicos. Compõem também esta rede de
informação 284 unidades regionais distribuídas no
interior dos estados, que agrupam as unidades locais
mencionadas inicialmente, 27 unidades centrais estaduais e
uma unidade de vigilância sanitária nacional representada
pelo Departamento de Defesa Animal - DDA/SDA/MA, em
Brasília. São 10.864 profissionais de nível superior e
técnico treinados para a execução das atividades de
defesa sanitária animal. Devem ser destacadas algumas das
atividades desenvolvidas pelo sistema de vigilância
epidemiológica para doenças exóticas:
Análise
de risco nas importações de animais, material de
multiplicação animal e produtos de origem animal
-
Notificação,
atendimento e investigação de episódios de doenças
exóticas
-
Campanhas
educativas
-
Vigilância
de animais no campo
-
Vigilância
em plantas frigoríficas e matadouros
-
Vigilância
em pontos de concentração de animais
-
Vigilância
dos animais em trânsito
-
Diagnóstico
laboratorial (5 unidades para diagnóstico de BSE)
Em
09/12/97, através da Portaria Ministerial nº 516, o Brasil
declarou-se livre de encefalopatia espongiforme bovina, de
acordo com o que estabelece o Código Zoosanitário
Internacional e incluiu esta doença, assim como a scrapie,
na relação de doenças passíveis de aplicação de
medidas de defesa sanitária animal, tornando as mesmas de
notificação obrigatória. Isto significa que no caso de
confirmação de um caso de uma destas enfermidades, são
tomadas medidas de emergência sanitária, à semelhança do
que ocorre na eventualidade de um foco de febre aftosa numa
zona livre desta doença.
A
BSE e a scrapie foram incluídas no sistema de vigilância
da raiva animal, estabelecido desde 1976. Quando da suspeita
de raiva, uma vez coletado o encéfalo, este é encaminhado
a um dos laboratórios da rede de diagnóstico de raiva.
Após exame para a raiva, o material que resulta negativo é
encaminhado a um dos laboratórios de patologia autorizados
pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento para a
realização de diagnósticos diferenciais para a raiva,
incluindo a BSE. É importante salientar que, no Brasil,
dada a ampla disseminação da raiva transmitida por
morcegos hematófagos (Desmodus rotundus), é raro o não
encaminhamento de material à rede de laboratórios de
raiva, quando da observância de sintomatologia nervosa em
animais de produção. No período de janeiro de 1990 a
outubro de 2000, não foram encontrados casos positivos de
BSE no Brasil, após a análise histopatológica de 2.904
bovinos com sintomatologia nervosa. O sistema de vigilância
das encefalopatias espongiformes está sendo reforçado no
Brasil, através do incremento da capacidade de diagnóstico
laboratorial e de ações educativas junto aos médicos
veterinários e criadores.
Desde
1990 foram suspensas as importações de bovinos, caprinos e
ruminantes silvestres do Reino Unido. As importações de
ovinos encontram-se proibidas desde 1985. A importação
animais de outros países com notificação de BSE também
foi proibida como resultado da evolução da situação
epidemiológica na Europa. No período de 1989 a 1990 foram
importados 179 bovinos do Reino Unido, sendo 119 em 1989 e
60 em 1990. Em janeiro de 1991, médicos veterinários
brasileiros estiveram na Inglaterra e constataram que em
nenhum dos rebanhos, dos quais foram exportados animais para
o Brasil, havia casos de BSE. Os bovinos importados do Reino
Unido, em 1989 e 1990, possuíam elevado valor genético e
destinavam-se à reprodução. A idade destes animais quando
da importação era assim distribuída:
82
bovinos - 1 a 2 anos
44
bovinos - 3 a 4 anos
52
bovinos - 5 a 6 anos
01
bovino - > 7 anos
Não
houve nenhuma sintomatologia compatível com BSE nestes
animais, e como já se passaram 10-11 anos da importação,
período consideravelmente mais longo que o período médio
de incubação da doença, a possibilidade destes animais
virem a ser acometidos por BSE é desprezível. Todos os
animais importados, assim como seus descendentes vêm sendo
acompanhados, pelo Ministério da Agricultura e do
Abastecimento. Nenhum deles integrou a cadeia de produção
de farinhas, pois os que morreram foram necropsiados e
enterrados nas respectivas propriedades.
Considerando
que:
Desde
1980 todos os bovinos importados do Reino Unido
destinaram-se à reprodução, morreram nas propriedades e
nelas foram destruídos e enterrados, nunca tendo entrado na
cadeia alimentar;
A
farinha de carne e ossos contendo proteína de ruminantes é
exclusivamente produzida no país e utilizada apenas na
alimentação de não ruminantes, o que se justifica por
razões econômicas e de qualidade da proteína e, após
1996, por uma proibição oficial;
Os
bovinos que adoecem e morrem na propriedade não entram na
cadeia alimentar;
O
sistema de vigilância epidemiológica da raiva assegura a
contínua realização de diagnósticos de BSE,
distribuídos por todo o país.
Conclui-se
que o risco de algum bovino infectado com BSE ter entrado no
Brasil desde 1980 é desprezível e que o sistema de
criação de bovinos no país não permitiria a
disseminação da BSE no território nacional.
Ana
Lúcia Stepan
Med.
Vet. MSc.
DSA-RS
- MA
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